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OAB da Medicina: o que a história da advocacia revela sobre a possível prova obrigatória para médicos

A discussão sobre criar uma espécie de “OAB da Medicina” voltou à pauta nacional e, como acontece sempre que um tema mexe com educação e saúde ao mesmo tempo, opiniões se dividem. Embora pareça novidade, o país já enfrentou algo parecido com a criação do Exame da OAB — um paralelo que agora ressurge quando se discute (a OAB da Medicina) dentro da formação médica.

A discussão sobre criar uma espécie de “OAB da Medicina” voltou à pauta nacional e, como acontece sempre que um tema promete mexer com duas paixões brasileiras — educação e saúde —, opiniões se dividem rapidamente. O curioso é que, apesar do clima de novidade, o Brasil já passou por um processo semelhante há algumas décadas, quando o Exame de Ordem se tornou requisito obrigatório para o exercício da advocacia. Revisitar essa história ajuda a entender por que o debate médico ganhou força e o que pode acontecer com quem já está na graduação.

O que está por trás do debate sobre a OAB da Medicina

A expressão “OAB da Medicina” ganhou as redes, mas por trás dela existe um tema mais complexo: a tentativa de criar uma avaliação nacional para medir a formação dos novos médicos. Não é exatamente um movimento inesperado. Nas últimas duas décadas, o país assistiu a uma multiplicação de cursos, muitos deles surgindo em cidades sem hospital-escola, sem campo de prática e sem estrutura mínima para um curso tão exigente — um cenário continuamente observado pelo Ministério da Educação.

Conselhos e associações médicas alegam que a situação lembra o que ocorreu no Direito nos anos 80 e 90, quando o Brasil se viu diante de um boom de cursos jurídicos e uma queda perceptível na qualidade média da formação. Foi nesse ambiente que ganhou força a ideia de exigir dos novos advogados uma comprovação real de conhecimento, e não apenas um diploma.

O paralelo inevitável: a OAB levou décadas até exigir prova

Quando se fala em “OAB da Medicina”, muita gente imagina uma mudança rápida ou automática. A história mostra que não funciona assim.

A Ordem dos Advogados do Brasil foi criada em 1930, mas o exame como filtro nacional demorou muito a se consolidar. Por anos, cada estado tratava o tema de um jeito: alguns exigiam prova, outros dispensavam. Houve tentativas de padronização, discussões políticas e resistências de diversos setores da comunidade jurídica.

Só em 1994 — mais de 60 anos depois da criação da OAB — é que o Exame de Ordem se tornou requisito nacional, com a aprovação do novo Estatuto da Advocacia. Ou seja: foi um processo lento, negociado e cheio de transições.

E aqui está o ponto mais sensível do debate atual: os estudantes que estavam na faculdade quando a lei mudou não precisaram fazer a prova. Era a regra do jogo da época, e o princípio da segurança jurídica obrigou o Estado a respeitá-la. Muitos advogados atuantes hoje nunca fizeram o exame — e isso não diminui em nada sua legitimidade profissional.

E na Medicina, como isso pode funcionar?

A discussão sobre a “OAB da Medicina” está engatinhando, mas já existe um consenso informal entre juristas e professores: qualquer mudança desse porte terá que seguir um caminho parecido com o do Direito.

Mesmo quem defende a prova admite que o país precisará criar:

– uma transição clara,
– um marco regulatório que não prejudique quem já está no meio do curso,
– e uma data a partir da qual a exigência começará a valer.

Nenhuma mudança com impacto na vida profissional de milhares de estudantes acontece da noite para o dia — e muito menos retroage. Portanto, se a prova vier, é altamente provável que só atinja os ingressantes de determinados anos, preservando quem começou a graduação em outro cenário legal.

Por que a ideia ganhou força agora?

Em parte, por razões muito parecidas com as que empurraram a advocacia para uma prova nacional. O número de cursos de Medicina cresceu de maneira acelerada, impulsionado pela demanda da sociedade e pelo interesse do setor privado. O problema é que nem todas as instituições acompanharam esse crescimento com laboratórios adequados, corpo docente preparado ou hospitais parceiros para a prática clínica.

Há relatos de estudantes que passam o curso inteiro sem vivenciar atendimentos reais. Outros enfrentam estágios com supervisão limitada ou praticam em ambientes que não refletem minimamente o que encontrarão na vida profissional. É nesse contexto que surgem as perguntas incômodas: quem garante que todos os recém-formados estão preparados? Como reduzir desigualdades tão grandes entre uma faculdade e outra?

Para os defensores do exame, a prova seria uma forma de proteger a sociedade, nivelar expectativas e pressionar as instituições a melhorarem sua estrutura — um argumento reforçado por entidades como o Conselho Federal de Medicina.

O impacto real: o que muda para faculdades, alunos e para a saúde

Caso a “OAB da Medicina” avance, ela mexerá em três camadas principais.

No ensino

A simples existência de um exame tende a reorganizar currículos, fortalecer estágios, exigir supervisão mais rigorosa e expor cursos que funcionam apenas como negócios, não como centros de formação. Foi assim no Direito, e dificilmente seria diferente na Medicina.

No mercado de trabalho

É provável que a transição cause um movimento curioso: por um tempo, quem se formou antes da prova poderá entrar no mercado mais rapidamente, enquanto os novos terão que passar pelo filtro. No Direito, isso gerou debates, mas não comprometeu o funcionamento da profissão.

Na saúde pública

Programas como o Mais Médicos e as redes municipais que dependem de recém-formados terão que se reorganizar caso o número de profissionais aptos diminua temporariamente. Em compensação, a qualidade média tende a aumentar, segundo defensores da proposta. A discussão também dialoga com crises recentes na rede de saúde, como o impasse financeiro revelado na matéria Campina Grande: Embate de R$ 33 milhões e crise na saúde, que expôs como falhas estruturais podem pressionar ainda mais um sistema já fragilizado.

A crítica recorrente: “uma prova resolve tudo?”

Não. E ninguém sério na área diz isso. O Exame da OAB nunca resolveu todos os problemas do ensino jurídico no Brasil. Mas ele deixou à mostra o que já existia: cursos bons, cursos medianos e cursos que não deveriam ter sido autorizados. A Medicina vive hoje essa mesma assimetria.

O exame, no máximo, funciona como um espelho. Ele mostra quem está formando bem e quem está entregando apenas um diploma sem formação prática consistente.

O que a história sugere sobre o futuro

Se a discussão evoluir e a prova se tornar realidade, o mais provável é:

– implementação gradual,
– respeito ao direito adquirido,
– regras claras para estudantes já matriculados,
– e um impacto mais forte sobre as instituições do que sobre os alunos.

A advocacia já abriu esse caminho. Agora, a Medicina discute se deve ou não segui-lo — e, caso siga, de que forma fará isso sem comprometer quem já está investindo tempo, dinheiro e expectativa em uma formação longa e desgastante.

Em resumo: o debate sobre a “OAB da Medicina” não é sobre criar mais uma prova. É sobre organizar um sistema que cresceu rápido demais, com desigualdades enormes e responsabilidades maiores ainda. E, se a história servir de guia, a mudança será lenta, negociada e cheia de transições — exatamente como foi com a advocacia.

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